quinta-feira, 18 de março de 2010

Educação mais que especial

Como prometi, cá estou eu para postar o texto que escrevi sobre o Lucas. Para quem não me conhece, sou amiga da Adriele, irmã da Alba, e jornalista também.

O texto abaixo foi escrito e (talvez) seja publicado assim pelo jornal no qual trabalho, mas isso será bem difícil de acontecer. Provavelmente o texto ficará bem diferente, mas de qualquer maneira estará aqui para quem quiser ler. Obrigada pelo espaço, Alba! Está um pouco diferente do que você leu, mas acho que ficou mais completo.

Educação mais que especial

A história de uma mãe que luta pelo direito de ter uma bolsa de estudos bancada pelo Estado na escola em que escolheu para o filho autista

Camila Galvez

A porta branca decorada com mãozinhas coloridas de criança feitas a guache se abre. Lucas Marchesini Milena caminha de maneira hesitante, o olhar sem fixar nenhum ponto específico. Veste bermuda azul marinho e a camiseta branca do uniforme da escola, devidamente identificado, assim como os demais estudantes. Nos pés, ao invés do tênis, opção feita pela maioria das mães ao enviar os pimpolhos para a escola, o jovem de 14 anos usa um sapato tipo crocs de plástico azul. Os pés são grandes para o tamanho do menino, característica que costuma ser comum nessa idade.

Apesar de não olhar diretamente para mim, Lucas vem em minha direção e senta-se na cadeira de plástico ao meu lado. Todos na sala começam a rir, e eu acompanho o sorriso.

- Mas esse Lucas é um danadinho mesmo, ele gostou de você!

Alba Regina Marchesini Milena é mãe de Lucas e está sentada ao meu lado também, à direita, enquanto o filho ocupa a cadeira da esquerda. Olho para o garoto e logo sai de meus lábios o cumprimento, o primeiro indício da vontade de estabelecer a comunicação entre dois humanos:

- Oi!

Ele, porém, não responde. Sequer desvia os olhos para mim. O comportamento não é falta de educação: Lucas é autista e não fala. Estuda no Núcleo CrerSer, em São Bernardo, especializado em atender crianças, jovens e adultos com déficits intelectuais dos mais variados, entre eles o autismo. Alba e o marido, Eduardo Martiliano Milena, pagam mensalmente R$ 740 pela educação do filho. Apenas Eduardo trabalha, prestando serviços de consultoria.

- Minha profissão é ser mãe do Lucas.

Questões financeiras

Alba e Eduardo estão “apertados” financeiramente, pois o filho também depende de outros tipos de tratamento de saúde, além da educação especializada. O autismo é uma síndrome caracterizada por desvios de comunicação, atenção e imaginação, o que gera problemas comportamentais. É mais frequente em meninos, como Lucas, do que em meninas, e os primeiros indícios ocorrem, geralmente, antes dos três anos de idade, como foi com Lucas também. Os autistas têm dificuldades de interagir com as pessoas, inclusive de maneira não verbal, possuem comportamentos esteriotipados, obsessão por partes de objetos, inflexibilidade em quebrar rotinas, problemas na dicção, risos em situações inapropriadas ou inesperadas, ausência ou pouca expressão facial e possibilidade de ser agressivos consigo ou com outras pessoas. (Fonte: http://www.brasilescola.com)

No Estado de São Paulo, há determinação da Justiça, datada dos anos 2000, de que o poder público deve garantir bolsa de estudos e tratamento para crianças autistas, visto que elas não podem ser absorvidas pela rede pública estadual e requerem atendimento especializado, tanto educacional como de saúde. A Secretaria de Estado da Educação tem mais de 30 entidades educacionais especializadas no atendimento a autistas, sendo que só em São Bernardo são quatro instituições credenciadas para esse atendimento. Em todo o Estado mais de seis mil crianças com autismo leve são atendidas nas escolas da rede estadual e aproximadamente 350 com autismo em grau mais elevado recebem atendimento em uma das instituições credenciadas.

Alba ficou sabendo da sentença que favorece seu filho por intermédio da escola na qual ele estuda. No entanto, tenta há quase um ano garantir o que é seu por direito, mas não teve resultados positivos até agora. É o que ela me conta antes de Lucas vir para a sala em que estamos a fim de posar para a sessão de fotos que ilustrará a matéria.

- Logo que entrei com o pedido na Secretaria de Educação, a resposta veio super rápido, em torno de 20 dias, já encaminhando o Lucas para uma escola que não tínhamos escolhido. Na verdade, o Estado manda todos os estudantes do ABCD para essa escola.

Alba refere-se à GAPI (Escola de Educação Especial de Ensino Infantil e Fundamental), também localizada em São Bernardo. O Estado afirma que ele é quem deve fazer a escolha pela instituição. Questionei os critérios, mas a resposta foi técnica: “o credenciamento da instituição se faz por critérios técnicos levantados pelo Centro de Apoio Pedagógico e pelas respectivas Diretorias de Ensino”, dizia a nota. Também questionei se a CrerSer era uma das escolas conveniadas, mas nada veio sobre isso no e-mail que me foi enviado.

Questões de adaptação
Mas por que a mãe não quer que Lucas vá para a GAPI? É fácil imaginar: o jovem estuda há mais de um ano na mesma escola. Autistas têm problemas de adaptação. Lucas apresentou alterações recentes quando mudou de casa com a família, e chegou até mesmo a ter convulsões. Trocá-lo de escola significaria sofrimento para ele e para os pais.

- No começo deste ano letivo ele também teve dificuldades para se adaptar aos novos professores aqui no CrerSer. Ele ficava agitado, não queria vir para a aula. Mas as professoras daqui tem especialização na área e sabem lidar com esses casos. Agora ele está mais tranquilo.

A questão da adaptação seria realmente um problema? Para tirar a prova, resolvi ligar para a GAPI e marcar uma visita. Quem me recebeu, com um sorriso nos lábios e cheia de pulseiras, brincos e colares balançantes, foi a diretora clínica da instituição, Gilda Pena de Rezende. No geral, as escolas se parecem: são organizadas, há dois professores por sala de aula para cerca de oito alunos, e todos têm especialização na área.

Gilda, no entanto, é um caso a parte e faz questão de enfatizar seu currículo: é neuropsicóloga e já trabalhou no Hospital das Clínicas, em São Paulo. Foi pioneira na educação especial em São Bernardo. Diz que o Estado a escolheu por causa da qualidade da instituição que ela gere, que tem mais de 20 anos no mercado. A pulseira balança em seu pulso, faz barulho e me chama a atenção. Pergunto, então, se ela acha que os autistas teriam dificuldades de se adaptar ali. Em minha mente, ela responderia que não, que os profissionais poderiam lidar bem com isso e coisas desse tipo, e por isso a resposta me surpreende:

- Sim, eles teriam, até porque é uma característica da síndrome. Pais já me procuraram dizendo que adoraram a minha escola, mas que não querem tirar seus filhos, já adaptados, do local onde estudam. Eu digo que tenho certeza de que eles se adaptariam aqui também, mas claro que isso leva tempo, e alguns pais não estão dispostos a passar novamente por todo o transtorno de mudar o filho de escola.

É esse sofrimento que Alba, profissão mãe do Lucas, quer evitar.

- Me sinto revoltada, porque quero manter meu filho aqui e tenho esse direito. Imagina a dificuldade para mudar o Lucas de escola?

O tom de voz que Alba usa para falar sobre o assunto deixa claro seu instinto protetor em relação ao filho. A mãe sabe que ele precisa de cuidados especiais. Quando visitamos a sala de aula de Lucas, seus olhos brilham de orgulho.

- Ele se parece comigo, você vai reconhecer facinho!

Realmente Lucas tem os traços da mãe. Alba tem luzes no cabelo, mas é possível enxergar, por debaixo das mechas loiras, a mesma cor dos fios do menino. Os olhos também são parecidos, e até mesmo o formato dos rostos se confunde.

Lucas está entretido fazendo um desenho. Alba diz que o filho gosta de fotos, mas o menino fica um pouco retraído com a presença da fotógrafa que me acompanha. Por isso ela pede que ele vá até a sala na qual conversávamos antes. É lá que Lucas se senta ao meu lado e observa, à sua maneira, a continuidade de nossa conversa, já com gravadores desligados.

- Vou entrar na Justiça. Quero garantir o direito do meu filho de estudar no lugar que escolhi.
Alba me lembra uma leoa, capaz de fazer tudo por sua cria. Por mais que isso possa parecer clichê, é essa a imagem que vem a minha mente. Por estar disposta a tudo, é possível que a mãe consiga garantir um direito previsto em determinação judicial, mas não sem muita luta, como é de (mau) costume em terras tupiniquins.

A última questão
Lucas assobia. Pega a tinta guache amarela e colore uma borboleta com a ajuda de uma professora. Estala a língua. Está mais a vontade com as fotos. Mesmo sem se comunicar, está feliz onde está. Para quê, então, tirá-lo dali?

8 comentários:

Ana disse...

"Alba me lembra uma leoa, capaz de fazer tudo por sua cria" - Quem conhece a Alba sabe que essa é sua melhor definição .. ela é assim com o Lucas, e não porque ele é autista, mas simplesmente por ser seu filho. E ela é assim tbém com todas nós.. tente mexer com a gente ou com qq outra pessoa do seu "círculo de pessoas especiais".. Eu digo que ela é "mãe galinha" : bota todo mundo embaixo da asa, muitas vezes parece mais a irmã mais velha do que eu!
Alba: tenho certeza que dessa vez vai dar certo!!
Camila: obrigada pelo interesse e pela ajuda!!

Alba disse...

Olha... Terceira vez que leio o texto e terceira vez que choro! Obrigada Camila! Repito aqui tudo aquilo que te escrevi no e-mail. Algumas pessoas a gente conhece e já se apaixona, assim, só de olhar no olho. Com você foi assim!
Obrigada pelas palavras, obrigada pelo apoio, obrigada por "comprar" a briga. Obrigada mesmo! Do fundo do coração!!
:´)

Tata disse...

Fiquei realmente comovida com o texto, obrigada Camila.
msmo conhecendo essa família pessoalmente, teu texto me tocou.
Alba defende sua cria com unhas e dentes, e o Lucas é um menino lindo, super carinhoso que eu amo muito, msmo qdo ele senta no meu colo com todo o tamanhão dele rs
(aqui qm fala eh a tia postiça-coruja, que sempre é agarrada por esse moçinho)

Pâmela Pferso disse...

"Alba me lembra uma leoa, capaz de fazer tudo por sua cria."

Lindo! Frase-define! Isso nunca se trata de clichê quando é uma coisa tão verdadeira e profunda como o que dona Almalena sente pelo filhote... Orgulho da tia Pamyz! Amordefine total! (L)

Sônia Maria disse...

Um texto forte e ao mesmo tempo delicado... a cara dessa mãe/leoa!
Meu contato com a Alba não foi tão grande, mas isso não impediu que eu percebesse nela a garra, segurança, um poder de doação enorme e o mais importante um alegria contagiante!
Nunca vou esquecer meu 1º contato com Lucas, ele não queria cortar os cabelos,então, encostou sua testa na minha, com se dissesse: olha, estou cansado disso, me deixe aqui quietinho!
Alba foi a 1º pessoa que conheci que convivia direto com o autismo e como sou uma eterna perguntadeira e ela não se importa de falar no assunto, perguntei e como perguntei!!rsrsr. Depois fui me informar melhor sobre o assunto e aí passei a admira-la ainda mais!
Que bom que será ver esse texto publicado!

Carol Felipe disse...

Muito boa a matéria, tomara que Camila consiga publicar!!!
Apesar de não conhecer a família pessoalmente, sei o qnt Alba ama, cuida e batalha para garantir o melhor para Lucas!! Não desiste Alba q vc vai conseguir!!

Bjooo

Mariana Dal Chico disse...

Tô arrepiada!
Que matéria linda, espero que venha a ser publicada!
Boa sorte na sua luta Alba.
Amor define!
S2

Adriele disse...

Pelo número de comentários nao preciso nem dar minha opiniao a respeito do texto, nao?

Já disse para a Camila como ela conseguu captar a historia e emocionar a todos. Vc tem o dom, menina

Chorei rios tb. No trabalho. Todo mundo deve ter me achado louca... hehehe