terça-feira, 30 de março de 2010

O Politicamente Incorreto dos Anos 80.

Crescer nos anos 80 já devia dar a qualquer cidadão uma medalha de honra ao mérito. Se você participou e formou seu caráter nessa época, parabéns por ser uma pessoa normal e sã. Se você tem um parafuso a menos, é desviado de alguma maneira não se preocupe. Alegue insanidade dos anos 80 que tá tudo certo.

Passamos desde o cigarrinho de chocolate Pan, que todos conhecíamos e adorávamos, quer maneira melhor de incutir o vício na vida de uma criança do que imitar o papai e a mamãe fumando? Coisa Linda![1] Até os produtos sem data de validade nas prateleiras, intoxicação alimentar era a coisa mais comum de se ver. E quem não se lembra da época da inflação?! Em que a dona do mercadinho vivia armada com a pistola de alteração de preços, comprava-se por um preço pela manhã e o preço já era outro no final do dia. Coisa linda![2]

Mas não é só dessas barbaridades que eu vim até aqui falar hoje. Com a aproximação da Páscoa me veio à memória uma história familiar regada à morbidez, falta de noção e a alegria contagiante que era a reunião familiar naquela época. Coisa linda![3]

Eram três famílias, a da minha mãe, da irmã e do irmão dela. Quatro contando a Vovó e o Vovô. Um total de 11 netos. Dos quais, hoje em dia, eu só falo com 4, e por coincidência ou não, são todas minhas irmãs... Mas vamos ao que interessa:

Páscoa. Celebração da Ressurreição de Jesus Cristo. Dia de orgia "chocolatíssea" para as 11 crianças em questão. Os adultos se reúnem. O que fazer de prato principal?

Gostaria de ter estado lá nesse dia para poder parabenizar o fanfarrão que teve a ideia genial. Indaguei a minha mãe e ela disse que deve ter partido do meu avô. Já que adorava a iguaria. Estão preparados para saber qual foi o cardápio daquela Páscoa dos anos 80? COELHO! Sim... Você leu bem. COELHO. Na Páscoa. Não precisa nem falar que nenhuma criança comeu, né?! Coisa linda![4]

Mas esperem um pouco. A história não acaba aqui. Me dê mais cinco minutos do seu tempo que eu te convenço da falta de sanidade que imperava nessa época.

Contei para o Edu minha Páscoa Insana nos idos anos 80. Ele respondeu sem demora: "Isso não é nada! Minha mãe cozinhou meu coelho de estimação e o da Rô na Páscoa, só porque eles não paravam de dar cria." Coisa linda![5]

Claro que corri ligar pra sogra pra confirmar a história. Ela com seu bom humor característico respondeu: "Nãããoooo! Não foi assim!" Ufa! Vocês podem pensar, o Edu exagerou na lembrança! Os coelhinhos morreram, na verdade, de causas naturais.

Não. Insanidade dos anos 80, lembram? Ela seguiu sua explicação: "Nós fizemos os coelhos num dia qualquer. Mas eu não tive coragem de comer..." Coisa Linda![6]

quinta-feira, 25 de março de 2010

Frases Desconexas.

Ontem liguei para uma pessoa (não vou revelar quem, vai que ela entra no blog e se reconhece) e ao ouvir minha voz, ela soltou:

"Menina! Você não morre mais! Acabei de falar de você!"

O papo continuou e eu fiquei pensando na frase do início da conversa. E a coisa foi crescendo. Uma revolta se avolumando. Como assim eu não morro mais? Que pretensão! Ela é Deus por um acaso? O Anjo da Morte? Dona do destino?

De onde nasceu essa frase? Por que associar a alegria de ouvir (ou ver) uma pessoa com a morte (0u não) da dita cuja? Será que essa frase é o resultado de um telefone sem-fio gigante, que vem correndo durante os anos? Sabe?! Como a história da batatinha que não esparrama, espalha a rama. Ou do cuspido e escarrado (eca) que na verdade é esculpido e encarnado.

Como seria a frase, lá no começo... "Menina! Você corre demais! Acabei de falar de você!" ou "Menina! Não chove mais! Acabei de falar de você!"... Mistério...

Enquanto ela continuava com a ladainha, eu me imaginava cobrando a promessa. "Menina, você não morre mais!" Ai dela se eu morrer... Volto do além túmulo só pra puxar o pé!

E não diga que eu não avisei!

quarta-feira, 24 de março de 2010

Vamos fazer um Abril azul em prol do Autismo!


Estava eu, navegando pela net quando encontrei um blog de uma amiga minha virtual. Entrei, me interessei e vi essa campanha que repasso pra vocês agora:

Copiei aqui as palavras dela (tudo bem Simone?!), bora ajudar?!



Texto retirado do blog do Gábi:

Coisas que vc pode fazer para ajudar na conscientização do autismo:

1 - Usar o pin azul com o desenho de uma peça de quebra cabeça durante todo o mês de abril e qdo as pessoas perguntarem explicar sobre o autismo.

2- Mudar as fotos do orkut e perfil no twitter ou facebook com a peça azul do quebra ou com o logo da campanha light it up: Blue e repassar para amigos.

3- Digitar todos os seus emails em AZUL e colocar o logo Light It Up Blue na assinatura durante todo o mês de Abril.

4- No dia 2 de Abril vestir uma peça de roupa azul, camiseta ou calça e pedir pra seus amigos, familiares ou colegas de trabalho pra vestir também e tirar fotos e repassá-las. Se possível colocá-las nas galerias do Flickr, orkut, twitter, facebook.

5- Cozinhar um bolo com o desenho da peça de quebra-cabeça Azul, preferência todo em azul e levar para escola, trabalho e dividir com seus amigos explicando o motivo.

6- Igrejas, Congregações, avisar aos responsáveis para que falem do dia em seus Cultos, Missas e Celebrações, etc.

Existem várias maneiras de participar! O importante é fazermos nossa parte para divulgar o máximo para conscientização e um futuro melhor para os nossos pequeninos!



Amei a iniciativa e estou dentro! E vale lembrar que a matéria que a Camila postou aqui (não sei se dessa mesma forma) sai no Jornal ABCD Maior no dia 2 de abril!!

domingo, 21 de março de 2010

A quinta.

[Instrusa mode on 2] Tinha a intenção de escrever outra coisa quando comecei o post, mas a coisa acabou saindo daquele jeito que vocês leram. Vou para o segundo round ver se consigo fazer o que estava pensando da primeira vez.

Você já deve ter ouvido que filho caçula só tem regalia na família e aquela coisa toda. Isso pode até acontecer quando são duas, três crianças, talvez. Mas digo que ser a mais nova de cinco talebãs é, no mínimo, uma experiência de superação. Acho que vale até uma observação no curriculo.

Obviamente que não tinha voz para nada. Não tinha direito a voto, a veto ou a pronunciamento. Gentes, imaginem uma casa com cinco mulheres gritando (entre elas minha mãe). Quando, nesse circo de estrógeno, alguém olharia para aquela menina magrela, cabeçudinha e com cabelo de tigela? Por isso que me sentia obrigada a me agarrar - literalmente, com braços e pernas - às irmãs e aos cunhados. Me pendurava na perna de um mais azarado e não havia cristo que me tirasse dali. Nessa hora, pelo menos, todo mundo olhava para mim. A voz esganiçada, de taquara rachada, também ajudou a marcar presença. Habilidades desenvolvidas em tempo de guerra.

Aprendi desde cedo o que era dividir. Um armário, duas cômodas, duas beliches e uma cama. Esse era o quarto das meninas. Cada uma tinha uma gaveta, um espaço para sapatos e material escolar. Tudo milimetricamente calculado. Eu, a mais nova, sempre ficava com menor. Roupas menores, menos coisas para guardar. Nem ligava.

Sobremesa? Tudo dividido. Não havia nada na casa que não fosse repartido, pra ninguem ficar sem. Lembro da Ana, sempre a encarregada dessas coisas, separando a caixa de bombom em cinco fileirinhas. Os primeiros da fila eram os chocolates mais gostosos. O último era sempre aquele que, em casas com menos crianças, ficava na caixa até mofar. Mas no número 36 da Rua Urupema nenhum doce era desperdiçado. Mas não era mesmo. Era uma pindaíba pra lá de divertida.

E ir para a praia com essa família Buscapé? Na Brasilia? O carro sempre quebrava na estrada, era só pegar a serra para isso acontecer. Mas o papis era precavido: a solução era jogar um pouco de Seba Bálsamo em alguma parte do motor que não sei até hoje. Isso mesmo, minha gente: Seda Bálsamo, o xampú. Convenhamos que, se ele conseguia limpar o cabelo corte selvagem que a Guiga e a Ana tinham nos idos dos anos 80, consertar motor era o de menos! E a Alba, com aquele cabelo liso maravilhoso, não conseguia se conformar que o modelo permanente não vingava nela. Bons tempos.

Eu e a Áurea nos estranhavamos. Havia roubado o trono de filha mais nova dela. Foi me perdoar pelo mal anos depois. Acho que até já dirigia nessa época...

E quando chegou a época que achava que todos da minha família iriam morrer se saíssem de casa sem mim? Minha mãe ia trabalhar, minhas irmãs para a escola, meu pai ia para a oficina... e eu preocupada, chorando, não me conformando com a vida sem a família. Lembro até hoje um dia que a Guiga chegou em casa e eu fui correndo para recebê-la no portão:  "Ai, Guiga, ainda bem que você não morreu!". Já era neurótica na tenra infância.

E o tempo foi passando. Hoje, tenho poder de pronunciamento na familia - e isso, sem precisar me agarrar às pernas de ninguém. Mas voto e veto, jamais. Isso cabe à Elite das Três (#piadainterna) e não ouso derrubar o equilíbrio divino do universo. Se já deu tudo certo com a deliberação delas, para que querer fazer graça?

Hoje, todas as gavetas do quarto são minhas. Dá um vazio às vezes. Mas quando chega a tropa toda pra almoçar no domingo, com todos os maridos e filhos, vejo que não tem motivo para sentir isso. Está todo mundo lá.

O menino cresceu.

[Intrusa mode on] Oi, ceres omanos que leem a minha estimada irmã e seu dia a dia de senhoura do lar. Sou Adriele, a caçula (aquela da fota com as cinco, a de vestidro rosa florido) das cinco. Apresentações feitas, vamos ao que interessa. Já que fui convidada para colaborar neste humilde espaço, mãos à obra.

Lembro-me como se fosse hoje quando fiquei sabendo que a Alba estava grávida. Lá estava eu, no alto dos meus nove anos, quando ela chegou do trabalho para almoçar. Naquela época ela era vendedora no shopping Golden, em SBC, e morava pertinho do trabalho. Vinha todo dia a pé.

Estavámos apenas eu e minha mamis em casa. Ela chegou com uma cara de coxinha sem óleo. Fui mandada para a sala, que ficava ao lado da cozinha. Porta fechada, assunto sério. Ouvi ela falando algo para minha mãe. Minutos depois, as duas chorando. Espertinha que era, me toquei na hora.

Não vou dizer que não fui um susto saber que minha irmã de 17 anos seria mãe. Mas depois fiz as contas: quando o bebê nascesse, já teria 18. Ela já era velha então. Pra que o drama?

A chegada do Lucas foi a maior alegria da minha vida até então (agora tenho mais três grandes alegrias, com a quarta chegando). Impossível falar desse menino lindo e não me emocionar. Era meu melhor amigo do dia a dia: tomavamos banho na banheira por três horas todas as tardes, com a titia responsável ensinando o menino a enfiar a cabeça na agua sem tapar o nariz. Corriamos de um lado para o outro. Era Adiéle pra cá, Luquinha´pra lá, uma coisa linda de Deus. Era uma tia-criança que ficava revoltada quando a Ana dizia que eu não podia carregar o título porque não tinha idade. "Você só pode ser tia depois dos 12. Agora, é prima". Chorava e chorava com a brincadeira, achando que os 12 anos jamais chegariam.

Pois não é que eles chegaram e passaram? Quêcoisa!

No aniversário de 14 anos dele quase não acreditei. Estava andando com ele na quadra que fica ao lado do salão de festas no prédio da Alba. Só nós dois lá. Ele passou o braço por cima do meu ombro, como quem diz: "tia, agora quem te protege sou eu". Deitei a cabeça em seu ombro e saimos andando, com toda a calma do mundo que um Lucas consegue ter. Ombro laargo, pé gigante (42!!), mão enorme. O menino cresceu. E eu não. Mundo injusto!

quinta-feira, 18 de março de 2010

Educação mais que especial

Como prometi, cá estou eu para postar o texto que escrevi sobre o Lucas. Para quem não me conhece, sou amiga da Adriele, irmã da Alba, e jornalista também.

O texto abaixo foi escrito e (talvez) seja publicado assim pelo jornal no qual trabalho, mas isso será bem difícil de acontecer. Provavelmente o texto ficará bem diferente, mas de qualquer maneira estará aqui para quem quiser ler. Obrigada pelo espaço, Alba! Está um pouco diferente do que você leu, mas acho que ficou mais completo.

Educação mais que especial

A história de uma mãe que luta pelo direito de ter uma bolsa de estudos bancada pelo Estado na escola em que escolheu para o filho autista

Camila Galvez

A porta branca decorada com mãozinhas coloridas de criança feitas a guache se abre. Lucas Marchesini Milena caminha de maneira hesitante, o olhar sem fixar nenhum ponto específico. Veste bermuda azul marinho e a camiseta branca do uniforme da escola, devidamente identificado, assim como os demais estudantes. Nos pés, ao invés do tênis, opção feita pela maioria das mães ao enviar os pimpolhos para a escola, o jovem de 14 anos usa um sapato tipo crocs de plástico azul. Os pés são grandes para o tamanho do menino, característica que costuma ser comum nessa idade.

Apesar de não olhar diretamente para mim, Lucas vem em minha direção e senta-se na cadeira de plástico ao meu lado. Todos na sala começam a rir, e eu acompanho o sorriso.

- Mas esse Lucas é um danadinho mesmo, ele gostou de você!

Alba Regina Marchesini Milena é mãe de Lucas e está sentada ao meu lado também, à direita, enquanto o filho ocupa a cadeira da esquerda. Olho para o garoto e logo sai de meus lábios o cumprimento, o primeiro indício da vontade de estabelecer a comunicação entre dois humanos:

- Oi!

Ele, porém, não responde. Sequer desvia os olhos para mim. O comportamento não é falta de educação: Lucas é autista e não fala. Estuda no Núcleo CrerSer, em São Bernardo, especializado em atender crianças, jovens e adultos com déficits intelectuais dos mais variados, entre eles o autismo. Alba e o marido, Eduardo Martiliano Milena, pagam mensalmente R$ 740 pela educação do filho. Apenas Eduardo trabalha, prestando serviços de consultoria.

- Minha profissão é ser mãe do Lucas.

Questões financeiras

Alba e Eduardo estão “apertados” financeiramente, pois o filho também depende de outros tipos de tratamento de saúde, além da educação especializada. O autismo é uma síndrome caracterizada por desvios de comunicação, atenção e imaginação, o que gera problemas comportamentais. É mais frequente em meninos, como Lucas, do que em meninas, e os primeiros indícios ocorrem, geralmente, antes dos três anos de idade, como foi com Lucas também. Os autistas têm dificuldades de interagir com as pessoas, inclusive de maneira não verbal, possuem comportamentos esteriotipados, obsessão por partes de objetos, inflexibilidade em quebrar rotinas, problemas na dicção, risos em situações inapropriadas ou inesperadas, ausência ou pouca expressão facial e possibilidade de ser agressivos consigo ou com outras pessoas. (Fonte: http://www.brasilescola.com)

No Estado de São Paulo, há determinação da Justiça, datada dos anos 2000, de que o poder público deve garantir bolsa de estudos e tratamento para crianças autistas, visto que elas não podem ser absorvidas pela rede pública estadual e requerem atendimento especializado, tanto educacional como de saúde. A Secretaria de Estado da Educação tem mais de 30 entidades educacionais especializadas no atendimento a autistas, sendo que só em São Bernardo são quatro instituições credenciadas para esse atendimento. Em todo o Estado mais de seis mil crianças com autismo leve são atendidas nas escolas da rede estadual e aproximadamente 350 com autismo em grau mais elevado recebem atendimento em uma das instituições credenciadas.

Alba ficou sabendo da sentença que favorece seu filho por intermédio da escola na qual ele estuda. No entanto, tenta há quase um ano garantir o que é seu por direito, mas não teve resultados positivos até agora. É o que ela me conta antes de Lucas vir para a sala em que estamos a fim de posar para a sessão de fotos que ilustrará a matéria.

- Logo que entrei com o pedido na Secretaria de Educação, a resposta veio super rápido, em torno de 20 dias, já encaminhando o Lucas para uma escola que não tínhamos escolhido. Na verdade, o Estado manda todos os estudantes do ABCD para essa escola.

Alba refere-se à GAPI (Escola de Educação Especial de Ensino Infantil e Fundamental), também localizada em São Bernardo. O Estado afirma que ele é quem deve fazer a escolha pela instituição. Questionei os critérios, mas a resposta foi técnica: “o credenciamento da instituição se faz por critérios técnicos levantados pelo Centro de Apoio Pedagógico e pelas respectivas Diretorias de Ensino”, dizia a nota. Também questionei se a CrerSer era uma das escolas conveniadas, mas nada veio sobre isso no e-mail que me foi enviado.

Questões de adaptação
Mas por que a mãe não quer que Lucas vá para a GAPI? É fácil imaginar: o jovem estuda há mais de um ano na mesma escola. Autistas têm problemas de adaptação. Lucas apresentou alterações recentes quando mudou de casa com a família, e chegou até mesmo a ter convulsões. Trocá-lo de escola significaria sofrimento para ele e para os pais.

- No começo deste ano letivo ele também teve dificuldades para se adaptar aos novos professores aqui no CrerSer. Ele ficava agitado, não queria vir para a aula. Mas as professoras daqui tem especialização na área e sabem lidar com esses casos. Agora ele está mais tranquilo.

A questão da adaptação seria realmente um problema? Para tirar a prova, resolvi ligar para a GAPI e marcar uma visita. Quem me recebeu, com um sorriso nos lábios e cheia de pulseiras, brincos e colares balançantes, foi a diretora clínica da instituição, Gilda Pena de Rezende. No geral, as escolas se parecem: são organizadas, há dois professores por sala de aula para cerca de oito alunos, e todos têm especialização na área.

Gilda, no entanto, é um caso a parte e faz questão de enfatizar seu currículo: é neuropsicóloga e já trabalhou no Hospital das Clínicas, em São Paulo. Foi pioneira na educação especial em São Bernardo. Diz que o Estado a escolheu por causa da qualidade da instituição que ela gere, que tem mais de 20 anos no mercado. A pulseira balança em seu pulso, faz barulho e me chama a atenção. Pergunto, então, se ela acha que os autistas teriam dificuldades de se adaptar ali. Em minha mente, ela responderia que não, que os profissionais poderiam lidar bem com isso e coisas desse tipo, e por isso a resposta me surpreende:

- Sim, eles teriam, até porque é uma característica da síndrome. Pais já me procuraram dizendo que adoraram a minha escola, mas que não querem tirar seus filhos, já adaptados, do local onde estudam. Eu digo que tenho certeza de que eles se adaptariam aqui também, mas claro que isso leva tempo, e alguns pais não estão dispostos a passar novamente por todo o transtorno de mudar o filho de escola.

É esse sofrimento que Alba, profissão mãe do Lucas, quer evitar.

- Me sinto revoltada, porque quero manter meu filho aqui e tenho esse direito. Imagina a dificuldade para mudar o Lucas de escola?

O tom de voz que Alba usa para falar sobre o assunto deixa claro seu instinto protetor em relação ao filho. A mãe sabe que ele precisa de cuidados especiais. Quando visitamos a sala de aula de Lucas, seus olhos brilham de orgulho.

- Ele se parece comigo, você vai reconhecer facinho!

Realmente Lucas tem os traços da mãe. Alba tem luzes no cabelo, mas é possível enxergar, por debaixo das mechas loiras, a mesma cor dos fios do menino. Os olhos também são parecidos, e até mesmo o formato dos rostos se confunde.

Lucas está entretido fazendo um desenho. Alba diz que o filho gosta de fotos, mas o menino fica um pouco retraído com a presença da fotógrafa que me acompanha. Por isso ela pede que ele vá até a sala na qual conversávamos antes. É lá que Lucas se senta ao meu lado e observa, à sua maneira, a continuidade de nossa conversa, já com gravadores desligados.

- Vou entrar na Justiça. Quero garantir o direito do meu filho de estudar no lugar que escolhi.
Alba me lembra uma leoa, capaz de fazer tudo por sua cria. Por mais que isso possa parecer clichê, é essa a imagem que vem a minha mente. Por estar disposta a tudo, é possível que a mãe consiga garantir um direito previsto em determinação judicial, mas não sem muita luta, como é de (mau) costume em terras tupiniquins.

A última questão
Lucas assobia. Pega a tinta guache amarela e colore uma borboleta com a ajuda de uma professora. Estala a língua. Está mais a vontade com as fotos. Mesmo sem se comunicar, está feliz onde está. Para quê, então, tirá-lo dali?

segunda-feira, 15 de março de 2010

95 dias muito bem aproveitados.

Passamos várias horas, dias, meses (sim meses, já tive a pachorra de contar...) de nossas vidas sentados em cadeiras de consultórios de terapias, à espera do Lucas. Façam as contas: são 4 horas (aproximadas) de terapia que ele faz por semana desde os 3 anos de idade. Hoje ele está com 14 anos, ou seja, são 11 anos de terapia - tá me acompanhando? Então darei seguimento:
São 95 dias de Cadeira!! Já imaginou? E olha que são cadeiras das mais variadas! Cadeiras duras; cadeiras que machucam o calcanhar; sofás confortáveis; bancos baixos; bancos altos... Olha. Já me sentei, bordei, li, ri, conversei, tive crise de pânico (ôpa!) em tudo quanto é tipo de assento!

Várias pessoas já me acompanharam nessas salas de consultórios! Na primeira consulta, quem me acompanhou e segurou minha mão foi a Guiga. Primeiro contato com uma psicóloga para falar do filho possivelmente autista não é fácil. E foi ela que esteve ao meu lado. Perguntando quando me faltavam palavras. Me apoiando na decisão e na escolha.

No início das consultas foi a minha mãe. Não reclamava; cobrava e perguntava. Era minha voz quando eu ainda não a tinha. Até o dia em que criei vergonha na cara (já falei sobre isso) e tirei minha carta. Durante uns 3 anos minha companheira foi a Adriele, eita anos divertidos! Cantando Teddy o polvo, acelerando na Dom Pedro I com o carro salsinha após uma chuva de granizo (#piadainterna ). Entremeada nesses anos estava a Aurinha. Não ia tanto, mas ia! Tinha uma paga pra sua companhia. Eu chegava e vinha a frase: "Trouxe pão?!" Ao que eu respondia: "Sim! Bora acordar e sair?!" Seu sorriso era certeiro e a companhia maravilhosa! Mas elas cresceram, criaram asas... Voaram para longe de mim. E fiquei sozinha nas cadeiras por um tempo.

Até que o Edu foi trabalhar em Americana (meses sombrios, de muito choro, filmes na madrugada e saudades... saudades... semanas infinitas).
Aí meus companheiros na terapia eram a Ana, o e meu afilhado, o Guigui. Que delícia! Guigui começando a andar, Guigui começando a falar, Guigui chorando na ida e na volta... Mas ganhando o coração de todo mundo que passava por nós. E que disposição! De um cunhado que se recusava a fazer horas extras nas quintas-feiras, pra ficar disponível e nos acompanhar. E olha que não eram só flores!! Bateram no carro dele dentro da estacionamento e ele nunca, NUNCA me xingou. Me acompanhou na outra semana com o mesmo bom humor de antes. E disposição de uma irmã que sabe ser A Irmã mais Velha! Doação define! Precisa? Ela tá lá!!

Mas chegamos ao ponto. Me desculpem todos aqueles que já me acompanharam nessas tantas cadeiras/bancos/sofás. Ele voltou de Americana! E voltou disposto a não perder essas horas ao nosso lado. Disposto a não perder essas horas/dias/meses ao meu lado, sentados nesses assentos. E que companhia! Já abrimos figurinhas da copa, tomamos café, comemos salgados, rimos, NÃO tivemos crises de pânico, conversamos, namoramos, trocamos confidências. E vimos nosso menino crescer, florescer. Se tornar esse adolescente lindo que é hoje.

Foram, aproximadamente, 95 dias, até hoje. E, pra quem acha que acompanhar um filho/sobrinho/neto até a terapia é um tempo jogado fora, dê uma boa lida no texto aí em cima e veja como uma companhia pode marcar uma vida.

Tá, tá... Vou tentar ser mais divertida na próxima vez. Ando meio sentimental. Me entendam. E lá vai mais uma dele, bem no alvo! Buscando seu amor:

sexta-feira, 12 de março de 2010

Gaguejando

Tenho um sério problema pra me expressar. Quem já falou comigo sabe. Fico nervosa ou ansiosa e já gaguejo, troco letras. Tenho impressão que minha boca não acompanha meu cérebro. Ele tá pensando lá na frente e a lerda tá falando lá atrás. #aícomprica

Uma clássica aconteceu na porta da empresa em que o Edu trabalhava. Estava armando uma chuva daquelas, uma amiga dele saiu e veio falar comigo. Após os "ois", ela comentou da chuva que estava prestes a cair. Aí soltei a pérola:

É! É melhor ir embora antes que Tchôve...

A garota se afastou de mim falando, enquanto ria: "Antes que tchôve..."

Outra foi com o chefe do Edu na época, ao me abordar e perguntar se estava tudo bem comigo, meu cérebro pediu pra eu falar "Jóia" minha boca queria "Bem" resultado:

"Oi! Tudo Jem!"

#Aícomprica mesmooo!!

sábado, 6 de março de 2010

Aniversário do Lucas!!

Hoje meu menino faz 14 anos! Uma mescla de alegria e a sensação de dever cumprido toma conta de mim, numa data dessa!
Há quatorze anos atrás uma meninota de 18 anos e um rapazote de 20 encaravam a responsabilidade de criar um filho. Encararam de frente. Confiantes no amor que os unia. Mas indiferentes aos percalços que encontrariam nessa caminhada.
Aos 3 anos da criança veio o susto e a percepção de que algo não ia bem. Aos 4 anos o maior susto de todos! Quem já viu uma crise convulsiva sabe do que estou falando...

Alegrias, tristezas, superação. Principalmente superação. De um menino que foi desacreditado por uma série de profissionais. Mas também apoiado por uma série de outros e tenho a alegria de dizer que o número de apoio superou em muito os do que desacreditavam.
Quem conhece a figura sabe. Amoroso, feliz, tá... Meio chato de vez em quando. Mas não vi, até hoje, uma pessoa ficar imune aos seus encantos!

Parabéns filho! Te amo assim: incondicionalmente! Com suas qualidades, defeitos... Amo o pacote completo!


sexta-feira, 5 de março de 2010

Quando se depara com o Preconceito.

Esse post já foi escrito e reescrito bem umas quatro vezes...


Pra mim, é muito complicado escrever sobre isso e eu tenho que remoer muito o assunto antes de conseguir colocá-lo assim, preto no branco.

O Lucas vai ter que passar esse ano por dois procedimentos, não quero expô-lo aqui e explicar os pormenores das cirurgias... Quem conhece a gente sabe do que eu tô falando.


Uma delas é estética. Puramente estética. Mas é uma coisa que incomodaria qualquer outro menino na idade dele. Sem sombra de dúvidas.


Pois bem, vamos aos fatos.


Na quarta-feira fui à endocrino dele, com o resultado dos exames, já esperando a liberação para as cirurgias.


Qual não foi meu espanto com a resposta da dita cuja:


"Mas por que fazer a cirurgia? Ele não entende! Não está atingindo o psíquico dele. Se fosse uma criança que estivesse incomodada com isso..."


Olha... Fervi! E quem me conhece sabe que quando eu fervo eu fico toda manchada de vermelho. Pois naquele momento eu me transformei no Hellboy.



Entendam que há situações em que eu sou extremamente passiva (como já disse aqui antes), mas quando mexem com meu menino... Ah... Não faça isso! Confusão na certa! Me desce a Rosana/Guiga (vocês não conhecem as peças...) e saiam de baixo.

Falei pra médica se ela tinha consciência da dificuldade que a gente passava, com todo mundo olhando esse jeitinho meio esquisitão que o Lucas tem, que não era porque ele aparentemente não entendia as coisas, que não sentiria as pessoas apontando e rindo dele. Que mesmo sendo um procedimento estético ele ia SIM realizá-lo. Ora... Se eu pensasse assim, deixaria o Lucas mal arrumado, afinal pra que comprar roupas novas? Deixaria o Lucas com o cabelo mal cortado, afinal, ele não se importaria com os cabelos longos ou curtos...

Nesse momento passei de mãezinha para Alba. A Dra. arregalou os olhos e tentou se explicar, me pedindo até julho pra ver se ela resolvia o problema sem a intervenção. Saí de lá dizendo que ia conversar com a cirurgiã e o neuro e ouvir a opinião DELES.

Não existe nada mais sem preconceito do que o preconceito. Ele atinge tudo e todos, basta estar aberto para ele...

Nossa obrigação é lutar contra. E se mexerem com meu menino, eu vou estar sempre na linha de frente, pronta para a batalha.